Há mortes que, mesmo sendo as de pessoas que não nos são próximas, nos ferem enquanto indivíduos e coletivo. Porque sentimos falta e perdemos, objetivamente, com a ausência dessas pessoas que, de forma mais ou menos tocante ou marcante, nos deram lições de vida ou nos apontaram caminhos, nos ajudaram a refletir, a viver de outra forma, a sermos melhores, mais felizes. São mortes que nos consomem os dias.
Há dias, faleceu, aos 86 anos, a “Melinha”. Assim era carinhosamente tratada Maria Amélia Morais, a mais conhecida e fervorosa adepta do Sporting de Braga e rosto icónico dos estádios de futebol. Criada nas proximidades do Estádio 1.º de Maio, acompanhou sempre o clube da criação e do coração. Uma vida de devoção. Uma religião. Não faltava a um jogo em casa e, sempre que podia, acompanhava o Braga nas partidas disputadas fora, no País ou no estrangeiro.
Melinha representa o melhor do desporto-rei: o amor popular, a paixão. Simboliza o futebol no estado mais puro, longe das jogadas de bastidores, dos maus dirigentes, das luvas e negociatas, da contrainformação, da parafernália industrial e financeira que o mina. A alegria, tão minhota, a boa-disposição, o sorriso do golo e o sofrimento da derrota estampados no rosto de Melinha vão perdurar. São energia e magia do futebol real, jogado com limpeza em campo por artistas; vivido na bancada por adeptos entusiastas.
Quando escrevo estas linhas, acaba de falecer, aos 93 anos, Eunice Muñoz. Grande artista. Dama/Rainha dos Palcos. Melhor atriz portuguesa de sempre. Lenda. Mito. Todas as palavras e epítetos serão, por estes dias, usados e abusados na espuma dos dias: nos elogios fúnebres, por vezes tão politicamente corretos quão vazios.
A Família perdeu Eunice Muñoz. Mas todos perdemo-la. O Teatro. O Cinema. A Televisão. A Cultura. O País. Nós, Portugueses. A sua falta vai sentir-se de que maneira. É irreparável.
Eunice pertence ao restrito Olimpo de deusas e deuses populares que nos tocam sem os conseguirmos tocar, casos de Amália, Eusébio, Joaquim Agostinho, Laura Alves, Nicolau Breyner ou Raul Solnado.
Não tem só a ver com o incomensurável talento. Muito mais do que isso. Eunice Muñoz é daquele tipo de Pessoas que passa amor, generosidade, empatia. É o olhar. É o que diz e como diz. O silêncio sábio. A simplicidade. A leveza. A ternura. A alma.
Tudo o que a torna imortal em nós.