Numa recente madrugada fria, morreu nas estradas portuguesas a cantora Claudisabel. Dona de uma energia contagiante e de uma gargalhada efusiva, foi vítima de um acidente de viação. Ao que pude ler na Imprensa, não teve culpa alguma. O condutor que abalroou a sua viatura seguia, segundo veio a público, alcoolizado.
Conheci a Cláudia Isabel há perto de 20 anos no Algarve. Estava lá a passar um fim-de-semana a convite de uma conhecida discoteca. Éramos um grupo onde pontuavam profissionais dos bastidores da TV, jornalistas e algumas figuras públicas de relevo, caso da Claudisabel, na altura muito na berra.
A Cláudia, já aí, desdobrava-se entre o seu negócio com a mãe, um gabinete de estética em Loulé, as marcações dos concertos e as ações promocionais daquele longínquo fim-de-semana. Não falhava nas presenças na discoteca, nos almoços e jantares, nas idas em grupo à praia ou à piscina. Estava sempre a mil, numa catadupa de chamadas telefónicas e viagens rápidas de carro. Cansada, exausta, tinha sempre uma piada pronta ou uma gargalhada solta. Era a alegria em pessoa.
Anos mais tarde, entrecortados por um telefonema ou outro de cortesia, convidei-a para uma ação promocional de aniversário de uma rádio do Centro, ação que organizei. Juntei várias figuras públicas, entre elas a Cláudia. Apenas lhe foram pagas as despesas de deslocação e essa iniciativa não lhe iria trazer retorno mediático ou outro: não havia TV ou órgão de comunicação social nacional que reproduzisse a sua participação; tão pouco havia contactos agendados com empresários ou agentes promotores de espetáculos.
Agradeci-lhe imenso a ajuda. A Cláudia limitou-se a sorrir e a dizer-me que, podendo, colaborou e com muito agrado; e que é esse o princípio elementar da amizade: estarmos uns para os outros. Nunca mais me esqueci das suas palavras. Nem de tudo o que falámos sobre Deus e a Espiritualidade. Ela era uma pessoa de Luz – e muito mais densa do que pudesse parecer à primeira vista. Veio de propósito do Algarve e ao Algarve retornou em nome da amizade. Sem querer mais do que isso. Sempre a mil, cansada, exausta, estado amenizado pela gargalhada tão pronta e livre que a caracterizava. Nunca mais a vi.
E pus-me a pensar por estes dias que o preço a pagar na vida por termos um sonho é, quantas vezes, altíssimo. A Cláudia era verdadeiramente feliz no palco. Sentia-se plena. Passou a vida a cantar e a dançar para o público, a transmitir alegria, a passar Luz. Não era amparada pelos poderes (políticos, culturais ou outros), não era beneficiada pelos lóbis, estava longe das tomadas de decisão, da Lisboa centralista, ao lado da mãe e na sua Loulé, a tomar conta do negócio de unhas de gel e outras artes da estética.
Em nome do sonho, corria o país a promover os seus discos. Ia às televisões sem receber qualquer cachê. Para ter mais trabalho a cantar, tinha de se deslocar ao Centro e ao Norte. Fez também das autoestradas e dos telemóveis a sua casa. Uma mulher de trabalho. Uma vida dura, de sacrifício. Com marcas na saúde, nos afetos. Atrevo-me a dizer que a solidão a acompanhava nesse sonho. Não obstante o amparo do seu anjo da guarda, a mãe guerreira que lhe dava colo e a ajudava a ter amanhãs de esperança e felicidade.
Diz-se agora nos mentideros televisivos e artísticos que, nos últimos tempos, a Cláudia andava triste, magoada com a classe artística, que se sentia pouco reconhecida e apoiada, que devia – e merecia – ter mais trabalho como cantora do que aquele que tinha.
Estas sombras não apagam a luz da artista.
Cláudia, permite tratar-te ousadamente por amiga. Minha amiga, estou-te grato pelos momentos que partilhámos. Sei que um dia nos voltaremos a encontrar. Numa outra dimensão. Os amigos estão uns para os outros, disseste-me. Até lá, recebe uma salva de palmas da minha parte. Mil aplausos para ti. Pessoas como tu fazem falta a um país e ao Mundo. Fazem falta à Humanidade.
Bravo, querida Claudisabel!