A antiga diretora técnica da Misericórdia de Alfeizerão disse hoje, no Tribunal Judicial de Leiria, ter cumprido indicações do ex-provedor nas listas enviadas à Segurança Social onde constavam nomes de utentes que não beneficiavam de determinadas valências.
“No mapa da Segurança Social tinham de constar 42 utentes, independentemente de estarem ou não a usufruírem [de determinada valência]. Essas indicações eram dadas pelo provedor da altura”, afirmou a arguida, na primeira sessão do julgamento.
Esta ex-funcionária, o antigo provedor e a Misericórdia de Alfeizerão começaram hoje a julgados, acusados de um crime de burla tributária, em coautoria e de forma continuada.
Segundo o despacho de acusação, o antigo provedor e a ex-diretora técnica declararam, entre janeiro de 2013 e dezembro de 2016, utentes que alegadamente não beneficiaram de determinadas valências em determinados períodos, em listas enviadas à Segurança Social, que pagou 34.747 euros àquela Santa Casa do concelho de Alcobaça para esse fim.
A arguida esclareceu que, então, o provedor “recebia orientações da União das Misericórdias [Portuguesas] de que era importante manter sempre este número, porque existia uma negociação da União com a Segurança Social”.
A assistente social respondeu positivamente quando foi questionada se se tratava de uma ordem do à data provedor, tendo ainda relatado ao coletivo de juízes que “era sempre do senhor provedor que recebia os nomes”.
A arguida foi depois confrontada com nomes de utentes indicados à Segurança Social como beneficiários de determinada valência que não o eram, tendo informado que havia entre esses utentes um membro (então vice-provedor) dos órgãos sociais da Santa Casa e familiares destes.
A ex-diretora técnica adiantou que aquando da fiscalização da Segurança Social, que detetou as irregularidades, comunicou que “iria dizer a verdade do que estava a acontecer”, tendo percebido que “estava a cometer um grande erro”.
“Acreditava que seria para benefício da instituição”, declarou, realçando que “não foi, de todo, compactuar”.
Já o antigo provedor negou ter dado ordens no sentido da inclusão de nomes nas listas.
“Eu não dei indicações de nome, nem de ninguém”, assegurou, reconhecendo, contudo, que “era preferível dar nomes que não beneficiassem desse serviço do que diminuir o número [de utentes] enquanto estivessem a decorrer negociações” com a União das Misericórdias.
Este antigo responsável, destituído do cargo em agosto de 2020, após 20 anos como provedor, garantiu, ainda, que a Misericórdia agiu “de boa-fé e não com o intuito de prejudicar a Segurança Social”, tendo retificado os procedimentos e assumido a responsabilidade de reembolsar a Segurança Social.
“Como agiu de boa-fé quando recebeu apoio para 42 utentes quando tinha menos de 42 utentes?”, perguntou a juíza-presidente, tendo o arguido respondido: “Era só para não prejudicar os acordos”.
À pergunta para onde foi o dinheiro, o arguido garantiu que “todas as mais-valias obtidas na Misericórdia eram para investir em apoio aos utentes”, frisando que a verba foi “sempre” gasta na instituição.
Por seu turno, o atual provedor da Misericórdia de Alfeizerão adiantou que a instituição está a devolver, em prestações, a verba devida à Segurança Social.
“Nós começámos a devolver o dinheiro em setembro de 2020, quando fizemos as novas eleições. A Misericórdia tem acordos de cooperação com a Segurança Social e foi acordado o pagamento em 46 prestações. É feita uma retenção na fonte pela Segurança Social. Neste momento já devolvemos mais de metade desse valor e concluiremos em setembro de 2024”, afirmou o provedor, também representante legal da Santa Casa da Misericórdia de Alfeizerão.
Na sessão de hoje foi ouvida uma testemunha, prosseguindo o julgamento no dia 9 de maio.