A escritora e ativista brasileira Conceição Evaristo disse no festival Folio que não escreve para dominar, mas sim para romper com a dominação num mundo em que a primeira experiência dos negros é a de “sujeitos dominados”.
“Escrever não é uma forma de dominar o mundo, porque dominar é algo que não está na minha experiência enquanto mulher negra”, disse Conceição Evaristo no Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos, numa conversa a propósito do lançamento dos seus dois primeiros livros editados em Portugal.
A autora, que está pela primeira vez em Portugal, partilhou com o público que o que a move na escrita é “a ânsia de romper com a dominação que o mundo exerce” sobre as mulheres negras marcadas por “uma primeira experiência que é de sujeitos dominados, seja pela colonização interna, seja pela externa”.
Convicta de que “o texto literário não nasce imune do meio em que é gerado”, a autora de “Olhos d’Água” e “Canção para ninar menino grande” falou desta e de outras obras que dão voz às mulheres que têm “mais facilidade em contar as dores, as mazelas”, mas também aos homens que mostram menos a sua fragilidade e sobre os quais pergunta: “onde guarda a sua dor?”
Numa conversa que passou pelas diferenças entre homens e mulheres, ou entre negros e brancos, Conceição Evaristo falou do machismo do homem negro, construído “num lugar social diferente do homem branco”. Tanto mais que, na sociedade brasileira, o homem negro “é ainda um sujeito dominado numa sociedade marcada pelo padrão racial que exclui as outras pessoas”.
Empenhada em ver publicadas em Portugal novas obras em que aborda as culturas africanas e a procura da “ancestralidade” que parece ter virado moda no Brasil, Conceição Evaristo lembrou as suas origens, no Estado de Minas Gerais, onde a devoção da Nossa Senhora de Fátima se mistura com crenças místicas.
“A busca pela ancestralidade persegue-nos sempre, consciente ou inconscientemente”, disse, acrescentado que quando não se sabe de onde se vem “a diáspora inventa uma origem, e o melhor lugar para inventar uma origem é na literatura”.
A mulher que aos 77 anos se “comove com a vida, com a impotência humana e com a esperança”, encontra na vida a “pulsão para a escrita que enquanto viver a fará mover”.
Até porque, o que gostava mesmo era de “saber cantar e ser a Nina Simone”, mas como não canta, escreve, arte que já lhe valeu o Prémio Governo de Minas Gerais de Literatura pelo conjunto da sua obra (2018), o Prémio Jabuti como personalidade literária (2019), e, em 2023, o Prémio Intelectual do Ano, atribuído pela União Brasileira de Escritores.
Após a sessão de lançamento das duas obras, que lotou a Tenda de Autores, no Folio, Conceição Evaristo vai orientar uma ‘masterclass’ intitulada “Escrevivência: Espelhos e imagens ancestrais”, no domingo, e apresentar trabalhos inéditos e escritos eróticos no Sarau de Poesia Erótica, na segunda-feira.
O Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos abriu portas na quinta-feira e decorre na vila até ao próximo dia 20 com mais de 600 iniciativas, distribuídas por várias curadorias, e com a presença de vários escritores e ilustradores internacionais premiados.
O festival é uma organização da Câmara Municipal de Óbidos, da Empresa Municipal Óbidos Criativa, da Fundação Inatel e da Ler Devagar.