Tal como já me aconteceu com Salvador Sobral, em 2017, a canção vencedora deste ano (2022) do Festival RTP da Canção, intitulada “Saudade, Saudade”, de Maro, causou-me alguma estranheza na primeira audição.
Tranquilo. As obras-primas costumam causar esta súbita estranheza no primeiro contacto, mas depois entranham-se. Perfeitamente normal: percebemos pouco de pássaros.
Eis a razão, pois, porque, embora confesso melómano, não seja eu músico – muito menos profissional. Os meus estudos de anos de Solfejo e Piano (na adolescência) no Liceu, no Grémio e na Física de Torres Vedras, dão-me alguma formação musical, mas não fazem de mim um crítico musical encartado, um ofício que, diga-se de passagem, nunca iria querer seguir. Adiante.
Já escutei dezenas de vezes a canção de Maro, bela homenagem ao avô que partiu. E tenho estado bem atento às muitas reações internacionais de músicos e professores de música um pouco por todo o mundo.
“Saudade, Saudade”, da nossa única Maro, é mais uma prova de que Portugal, ao contrário do que se costuma dizer, é um farol no Eurofestival da Canção.
Independentemente dos resultados, sobretudo nos últimos anos, mostrámos ao mundo que temos o nosso caminho, uma forma própria de nos expressarmos. Em Português ou em Inglês, a nossa Portugalidade, o nosso Fado, a nossa Saudade, conquistam, ano após ano, leais e fervorosos seguidores em todo o planeta.
Começa a haver uma expressão portuguesa genuína. Ímpar. Sem bailarinas, pirotecnias ou lugares comuns. A RTP, os compositores e os cantores lusos estão de parabéns. Também no Eurofestival, os portugueses marcam toda a diferença. Somos nós. Tocamos a alma.
Maro canta como Sade Adu. Tem uma invulgar rouquidão, poética e exclamativa, na voz. É linda e carismática. A canção (World Music) vai desde o folk celta ao techno fado. Tresanda a Portugalidade, a África e ao Oriente. É libelo de esperança em tempo de guerra; alegra, mas é, ao mesmo tempo, deliciosamente melancólica. Portugal universal.
Maro é, sem dúvida, uma grande cantora – e a paisagem musical da canção, sobretudo presente nas introduções, convoca para uma suave fraternidade. Que se estende com as harmonias obtidas com as suas companheiras de grupo, soberbas – até porque, por vezes, se canta em diferentes “oitavas” e a líder, Maro, escurece as notas, como se mostrasse as sombras que existem ao redor da Luz.
Há um amor a Maro.